
• O FESTIVAL •
“(...) ela sabe que é necessário seguir como for – sem descolar os sonhos das telas dos sonhos das ruas,
o singular do coletivo, a imaginação do ato.”
Kênia Freitas e Ingá Patriota
E cá estamos, na alegria deste 24º FestCurtasBH em que o Cine Humberto Mauro e outros espaços do Palácio das Artes voltam a ser nossa morada principal, acolhendo a presença e a convivência, retomadas em toda sua exuberância. Após duas edições em que os encontros face a face nos eludiam e o on-line ou híbrido se impunham num contexto de inimagináveis desafios sanitários e políticos, o calor do encontro nos reacende para a beleza e vitalidade do estar junto.
Se, em 2021, o filósofo Dénètem Touam Bona nos instigava a aprender “práticas de aliança e solidariedade” com o cipó, que “em seu percurso vertiginoso incarna o poder de atravessar e ser alimentado pelo que se atravessa (e vice-versa)”, em 2022, buscamos seguir impregnados dessa sensibilidade vegetal para se dedicar à afetação mútua entre cinema e sonho, à potência do sonho – de olhos fechados ou abertos – de imaginar e criar mundos dentro e fora da sala de cinema. O convite a Kênia Freitas e Ingá Patriota, companheiras das mais fundamentais nas edições recentes do FestCurtasBH, logo se apresentou como evidência e deu origem à belíssima mostra de olhos abertos, tem alguém que sonha, com filmes, conversas e um conjunto de textos que iluminam a discussão por meio de diferentes perspectivas, mas sempre com um engajamento estreitamente relacionado à experiência vivida e ativa. Alberto Alvares, Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero, Elizabeth Povinelli, Luara Dal Chiavon, Cadu Souza e Wellington Lenon (os três últimos são integrantes da Brigada de Audiovisual Eduardo Coutinho, do MST) trazem contribuições inspiradas que se juntam a dois textos das curadoras que nos convocam a participar de seu generoso e inquieto processo curatorial. Contamos também com o primoroso trabalho de Emmanuel Lefrant, que, a nosso convite, programou a mostra Soft Dreams, sublinhando as relações historicamente fecundas entre sonho e filmes de vanguarda. Para concebê-la, o curador francês mergulhou no arquivo da Light Cone, principal distribuidora europeia de filmes experimentais, da qual Lefrant é diretor e que celebrou 40 anos neste ano. Ele ainda coprogramou, em parceria com o curador e pesquisador brasileiro Lucas Murari, uma sessão igualmente constituída de filmes do acervo da Light Cone, desta vez em diálogo com o recém-lançado livro Expanded Nature – Écologies du cinéma expérimental [Natureza Expandida – Ecologias do cinema experimental], editado pela mesma distribuidora. E o sonho se expandiu para além dos limites da sala de cinema na fascinante exposição Para Sonhar Imagens de Transformação, da artista Efe Godoy. Com mais de 140 obras, a exposição se apresenta como um corpo vivo em movimento, com vários trabalhos sendo criados e transformados ao longo do período expositivo. No Terceiro Caderno Aberto publicado neste catálogo, buscamos “uma vez mais na pintura, na letra e no desenho formas de expressar algumas das vertentes sonhadas pelo Festival: das lutas históricas, do presente transformador, da ancestralidade”. E a quinta edição da oficina de crítica Corpo Crítico é novamente conduzida pela dupla Ingá Patriota e Fabio Rodrigues Filho, com uma pujante e tempestiva proposta intitulada Um braseiro: “Quando um muro separa, uma ponte une”.
Com vários outros desdobramentos e transbordamentos que podem ser vislumbrados ao longo desta publicação, o 24º FestCurtasBH convoca, tomando emprestadas livremente palavras de Kênia e Ingá, ao “ato de sonhar coletivamente, de olhos abertos, em uma sala de cinema”.
Ana Siqueira, Matheus Antunes e Vitor Miranda
Coordenação do FestCurtasBH