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Rua Augusta, 1029: uma imersão no universo das desigualdades brasileiras

Uma tela preta que logo nos informa o título do filme, ao ouvimos bastante ruído, ainda pouco identificável. A transição da tela para um ambiente escuro real é feita de forma quase imperceptível. Ao mesmo tempo que os ruídos vão ficando mais intensos, vamos os identificando. São pegadas de pessoas, barulho de móveis se arrastando, e as vozes de outrora, agora vão sendo entendidas. Os primeiros fragmentos de luz de uma lanterna também vão surgindo. São pessoas correndo e subindo uma escada. Os ruídos e as vozes continuam; algumas dando ordem, outras pedindo ajuda. Uma câmera na mão em plano médio, por vezes tremida e sem foco, sem trilha sonora, corroboram para aumentar ainda mais suspense do que estaria por vir. Embora seja um documentário sobre um tema caro à sociedade brasileira, é inevitável não lembrar dos filmes de terror estilo Found Footage.


Tenso e arrojado são os primeiros minutos do curta documentário Rua Augusta, 1029 (2019), da diretora Mirrah Iañez da Silva. Na medida que uma luminosidade começa surgir, mesmo que precária, revela o ambiente e nos damos conta do local-espaço onde estamos e na verdade o que está ocorrendo: uma ocupação de um prédio vazio. Por outro lado, este começo intenso do filme, permite-nos identificar uma pitada de influência do recurso documental utilizado: o velho e bom cinema direto. Um cinema que observa e tenta captar tudo que está acontecendo naquele evento. Nesse sentido, já temos a sensação de estarmos envolvidos pelo filme, ou mesmo, imersos dentro da ocupação.


Alguns cortes, a luz ainda precária, mas podemos sentir a adrenalina daquele momento. Corte. Até que a câmera se desloca para uma janela, o plano abre, e vemos várias viaturas de polícia. Uma voz de mulher começa pedir - gritar - para filmar. Em seguida apenas ouvimos, a ordem de um policial:


“- Eu estou dando uma oportunidade de vocês saírem numa boa.

- Ô moço, têm 300 famílias aqui dentro - uma ocupante responde.

- O policial continua: Olha, não me interessa quantas famílias têm aí dentro. Não me interessa”.

Uma cartela no filme nos informa sobre o acontecimento daquela noite. A ocupação aconteceu em São Paulo, na madrugada de 13 de abril de 2015, onde seis mil famílias ocuparam 18 prédios sem função social. O ato, chamado de Abril Vermelho, serviu para alertar o governo sobre a falta de vontade política para sanar os problemas de habitação no estado.


Como havia dito, o problema da moradia é um tema caro para um país tão desigual como o Brasil. Uma vez que, produções cinematográficas refletem visões não somente do mundo real, isto é, da realidade-vivida, como também, sobre relações sociais e culturais. Deste modo, não é por acaso que estamos assistindo uma produção de obras fílmicas com essa abordagem nos últimos anos, como Na Missão com Kadu (Aiano Bemfica, Pedro Maia de Brito e Kadu Freitas, 2016) ao Arquitetura Dos Que Habitam (Daiana Rocha, 2018). Documentários que carregam em si cada um suas perspectivas e estilos que tencionam não somente o tema/campo, mas os modos de fazer, ser, viver e sobreviver. Para o nosso bem, para o bem do nosso cinema.

 

este texto foi produzido como parte da Oficina Corpo Crítico – Experimentações Críticas por um Cinema Implicado, ministrado pela crítica Kênia Freitas, durante o 22º FestCurtasBH.


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